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sexta-feira, 20 de maio de 2011

FREUD SÓ PENSAVA “NAQUILO”?


Durante uma palestra minha, já faz tempo, alguém da platéia perguntou por que nós, Psiquiatras e Psicanalistas, só pensamos em violência e sexo quando, na vida, há outras coisas tão mais ricas e bonitas.

Não era a primeira vez que tal pergunta surgia. Por isso não fiquei surpreendido; estou acostumado com essa visão equivocada do que seja a Psicanálise.

Muita gente pensa que a Psicanálise nos enxerga como bichos, o que não é justo, pois ninguém formulou, sobre as emoções humanas, uma idéia tão romântica, lírica e poética quanto Freud.

A Psicanálise nos ensina que já nascemos apaixonados. Quando estamos nos braços de nossa mãe não é só proteção, alimentação, calor e abrigo o que buscamos. Queremos que ela nos dê leite e... deleite. Queremos dela alimento para o nosso corpo e para nossa mente. Caro leitor, somos seres emocionados desde o primeiro ao último suspiro de nossas vidas! Já nascemos enfeitiçados por este feitiço que é o amor.

Amor é correspondência, é sintonizar à emoção daqueles que amamos e ser por eles sintonizados na nossa emoção. Tudo no amor tem de ser mútuo; nada nos fascina tanto quanto cativarmos aqueles que nos seduziram.

Só que esse amor não é platônico, ou apenas incorpóreo. Ninguém nasce anjinho, sueco ou alemão. Em nossas artérias e veias pulsa o sangue quente da paixão (até rimou!).

Somos pessoas de carne e osso; almas encarnadas.

Na profundidade de nossas emoções não há atração de espíritos sem atração de corpos. Como não há atração de corpos sem atração de espíritos. A essência do amor é isso: um entusiasmo sensualizado, uma sensualidade entusiasmada. Ao estarmos enamorados buscamos um entrelaçamento de coração, cabeça, corpo e membros. Isso é o que Freud chama de sexualidade e não alguma animalidade no cio.

São energias que vibram e fazem vibrar nossa alma e nossos corpos. Não fossem essas energias em pouco tempo estaríamos todos mortos. São elas que garantem a continuidade da espécie, além – é claro – de garantirem todo o colorido da vida.

Toda timidez, angústia, depressão, etc. está intimamente ligada à percepção de que não somos, ou fomos, suficientemente amados... ou que representamos pouca coisa no coração dos outros... ou que perdemos algo ou alguém...

Os bem-amados possuem sempre um sólido sentimento de segurança e auto-estima.

O amor, desde que razoavelmente correspondido no seu leito principal, desde que não excessivamente bloqueado no seu fluxo original, inunda todo o universo. “Irriga as plantas, preocupa-se com as baleias, os golfinhos e todos os bichos em extinção, enfim, procupa-se com a natureza, gerando sentimentos ecológicos; inunda todos os povos, culturas e países, gerando os sentimentos de fraternidade e os ideais políticos; decola da terra e levanta vôo para o céu, gerando sentimentos religiosos. Porque o amor é a essência da própria vida”.

Portanto, caro leitor, isso é que é sexualidade para a Psicanálise. Só quando ferida é que gera a brutalidade, o estro sem afeto, a violência.

Agora pergunto: existe alguma idéia mais bonita, mais poética e mais romântica do que a idéia que a Psicanálise faz de todos nós?


Dr. Nei Guimarães Machado

Médico Psiquiatra.


Um comentário:

  1. Lindíssmo o texto. Parabéns parabéns. Mas tenho que discordar de uma coisinha só.

    Nem sempre quem nos atrai intelectualmente nos atrai fisicamente. Se fosse assim, as coisas talvez fossem mais fáceis: a gente iria tentar se casar com o autor do nosso livro preferido, ou das nossas músicas prediletas, ou das nossas pinturas mais queridas etc e seríamos felizes para sempre. Só que o buraco é absurdamente mais embaixo.

    No final da minha adolescência, aos 18 anos precisamente, fui namorar o autor da minha música predileta (da época). Era o Sergio Sampaio. Adoro as músicas do cara, adoro até hoje pra ser honesta. Mas o cara? Bah, era um inveterado bêbado, cheio de manias, galinhazaço, imprevisível por demais e era tão chato quanto era genial.

    Nosso romance terminou no dia que ele me ligou passando mal e me pediu pra limpar sua cozinha de uma muqueca que ele tinha feito (e para a qual não fui convidada). Eu, que era uma criatura absolutamente inocente e repleta de boa vontade, fui, lavei tudo (tinha vômito e muqueca até o teto, não sei como eles conseguiram este epifenômeno) mas percebi, com muita tristeza, que as coisas não iriam dar certo romanticamente com meu ídolo.

    Desde então tenho para mim que uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa e nada necessariamente se junta.

    Somos seres cindidos, absurdos e de um corpo disforme pode sair o Tajmajal mais lindo- só que despertar nossa admiração não resulta necessariamente em romances darem certo.


    Afinal, o que há de mais humano do que o paradoxo? Nunca iremos ver um gato desejando comer, mas pensando que tem de fazer uma dieta. A dona do gato é que faz isso. O número de vezes durante um dia que desejamos uma coisa, mas fazemos outra com certeza ultrapassa a centena.

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