A analogia entre o computador Deep Blue e Kasparov é indevida: o primeiro faz milhões de cálculos por segundo, usando uma lógica digital (sim ou não, 0 ou 1); o segundo utiliza uma forma analógica de processamento (todas as gravações possíveis entre um número e o outro, incluindo aí o 0 e o 1).
O processamento analógico somado à simultaneidade de múltiplos canais dota o cérebro de capacidades insuspeitáveis a Deep Blue. O digital, somado à velocidade do chip de sílica, é capaz de nos derrotar no xadrez. Nas metáforas, alegorias, cenários complexos e, sobretudo, na capacidade de engendrar sociedade e moral, ainda não.
Algumas dicotomias são fundamentais para que se entenda a diferença entre o cérebro humano, dotado de mente e personalidade, e o computador Deep Blue. Deep Blue tem um conjunto harmônico de
processadores centrais comandando suas operações; Kasparov não tem qualquer sucedâneo de controlador central. Deep Blue tem memórias com endereços claros, sensíveis à destruição por qualquer curto-circuito; Kasparov tem memórias distribuídas por grande parte de seu cérebro, o que faz com que resista ao envelhecimento sem que com isso se apaguem arquivos inteiros e se percam referências vitais.
Deep Blue não aprende,  não  tem infância, não interage com os outros e não   descobre a mentira como artificie da separação entre  o mundo interior do  desejo e o exterior da repressão; Kasparov aprende e se organiza de acordo com a experiência pretérita, sua e de sua cultura. 
Deep Blue opera através de um programa,  em  que  pese  programa sofisticado que permite a harmonização sincrônica dos múltiplos processadores  (pseudo-noção de   processamento   paralelo,    tecnicamente    chamada   de    processamento cooperativo), mais ainda assim software; Kasparov tem processamento paralelo legítimo, sem controlador central,   operando   sem   software  bem  delimitado - no cérebro  tanto software quanto hardware se mesclam  numa só  operação  de oscilação   e  sincronização de neurônios.
Só existe mente quando, ao perigo de falhar no cálculo, se acrescenta o perigo de falhar na expectativa depositada sobre si. Essa carga humana, ainda hoje dificilmente reproduzível em máquinas. As emoções e a
vontade, propriedades inimagináveis a Deep Blue, coroam e colorem a nossa espécie. Enquanto a máquina não as tiver será apenas uma traquitana sem inteligência genuína.
Só existe mente quando, ao perigo de falhar no cálculo, se acrescenta o perigo de falhar na expectativa depositada sobre si. Essa carga humana, ainda hoje dificilmente reproduzível em máquinas. As emoções e a
vontade, propriedades inimagináveis a Deep Blue, coroam e colorem a nossa espécie. Enquanto a máquina não as tiver será apenas uma traquitana sem inteligência genuína.
Deep  Blue  não  tem  estilo;  Kasparov  tem  estilo;  
Deep Blue não tem humor; Kasparov não voltará a ter tão cedo.
                         Problema técnico suplementar advém da natureza digital-formal  de Deep  Blue. Como quase todos os sistema desse tipo, está   sujeito à  parada (isso  é   tecnicamente   conhecido   como   problema   de   indecidibilidade  de
gödeliana e parada de uma máquina de Turing, espécie de computador teórico ideal, infinitas vezes superior a Deep Blue) fato que o impedirá de decidir sobre o passo seguinte ou sobre a verdade ou falsidade de uma sentença.
gödeliana e parada de uma máquina de Turing, espécie de computador teórico ideal, infinitas vezes superior a Deep Blue) fato que o impedirá de decidir sobre o passo seguinte ou sobre a verdade ou falsidade de uma sentença.
A consciência humana, ponto nodal da mente que emerge do cérebro,  não  exibe “parada” diante de determinados  problemas  em  que  Deep  Blue  entraria  em looping  (vulgo “parafuso”). Isso advém da natureza analógica do processamento cerebral  como querem ou talvez - segundo os   mais   afoitos  cientificamente  -
    de   sua   natureza   quântica   e  não-algorítmica (isto é, não calçada  no  seguir regras    estritas,    bem    delimitadas     e  seqüenciais de operação).
Um computador ou qualquer máquina que um dia seja programada com o código analógico que utilizamos talvez seja capaz de crescer, aprender, inserir-se na comunidade e agir como nós. Para isso a máquina não
será programada nem terá a velocidade do computador da IBM; sua inteligência não será programa que avalie exaustivamente a hipótese já pronta, mas algo capaz de criar teorias a partir de um pouco, testando-as
transformando-as em conhecimento legítimo.
Um computador ou qualquer máquina que um dia seja programada com o código analógico que utilizamos talvez seja capaz de crescer, aprender, inserir-se na comunidade e agir como nós. Para isso a máquina não
será programada nem terá a velocidade do computador da IBM; sua inteligência não será programa que avalie exaustivamente a hipótese já pronta, mas algo capaz de criar teorias a partir de um pouco, testando-as
transformando-as em conhecimento legítimo.
Um  computador   que   precisa percorrer o planeta inteiro inspecionando cada gato,  cortando-o  em   fatias    e
decompondo-o ao limite, nem por isso será capaz de entender a graça e o humor do desenho simples do gato Garfield comedor de lasanhas. Deep Blue dificilmente entende metáforas e nós rapidamente as entendemos.
decompondo-o ao limite, nem por isso será capaz de entender a graça e o humor do desenho simples do gato Garfield comedor de lasanhas. Deep Blue dificilmente entende metáforas e nós rapidamente as entendemos.
Afinal,  a mente que surge da  comunhão  dos   neurônios   não   é   substância   imaterial, espírito ou alma. É antes de tudo uma propriedade   da  matéria   física   cérebro em contato com a linguagem e a cultura.
                         Dota-se   uma  máquina  do   correto   código    cerebral,   fazendo-a interagir dinamicamente com outras, quer na ação pura, quer na ação valorada e prudente,   e teremos uma réplica do humano. Porém, não se assustem aqueles que   vêem nessa  possibilidade o final dos tempos. Não sabemos ainda qual  o código analógico que o cérebro utiliza na forja do mental e nem temos máquinas que    o    repliquem  na   totalidade. 
A    tarefa    de   estudar    esse   código,   de compreender o  surgimento  do     pensamento,    da inteligência, da emoção, da vontade, da memória, criando-lhes  análogos   artificiais   que nos  auxiliem    em diferentes tarefas é função da  ciência   cognitiva, super disciplina com quase 50 anos de idade no Primeiro Mundo, mas no  Brasil   ainda   vista   com   um   certo desdém.
Quando não é entendida como um fenômeno biológico localizado no cérebro humano, a mente fica acuada como Kasparov na sexta e última partida da disputa com Deep Blue. Essa incompreensão gera um sem-número de flancos para a proliferação do esoterismo desenfreado, para os manuais de auto-ajuda, para a irracionalidade que campeia e de que se servem os ignorantes e também os arrivistas que vendem bem-estar e salvação para a mente que sofre.
Gera ainda subproduto danoso que é a não aceitação de que a mente, como qualquer função do corpo pode adoecer. Nesse sentido, a figura emblemática de Deep Blue, antes de sitiar a condição humana, pode resgatá-la do desvario pseudo místico, recolocando a mente no cérebro e o conhecimento sobre eles no
devido lugar, menos devassado aos “achismos” dos esotéricos afoitos, encantados com barroquismos lingüísticos pseudo-significativos.
O xeque imposto à condição humana com conseqüência mais danosa que o desconhecimento da natureza cerebral da mente normal e desviada é a perda de valores claros na relações sociais. Sabe-se hoje que a ética e a solidariedade, antes de imposições externas, sociais ou religiosas, são atributos biológicos. Os macacos as têm; também animais inferiores. Computadores, por ora, nem sequer a esboçam, demonstração clara do quanto seus projetistas pretendem resolver problemas, porém nem de longe semelhantes aos dilemas
humanos.
Quando não é entendida como um fenômeno biológico localizado no cérebro humano, a mente fica acuada como Kasparov na sexta e última partida da disputa com Deep Blue. Essa incompreensão gera um sem-número de flancos para a proliferação do esoterismo desenfreado, para os manuais de auto-ajuda, para a irracionalidade que campeia e de que se servem os ignorantes e também os arrivistas que vendem bem-estar e salvação para a mente que sofre.
Gera ainda subproduto danoso que é a não aceitação de que a mente, como qualquer função do corpo pode adoecer. Nesse sentido, a figura emblemática de Deep Blue, antes de sitiar a condição humana, pode resgatá-la do desvario pseudo místico, recolocando a mente no cérebro e o conhecimento sobre eles no
devido lugar, menos devassado aos “achismos” dos esotéricos afoitos, encantados com barroquismos lingüísticos pseudo-significativos.
O xeque imposto à condição humana com conseqüência mais danosa que o desconhecimento da natureza cerebral da mente normal e desviada é a perda de valores claros na relações sociais. Sabe-se hoje que a ética e a solidariedade, antes de imposições externas, sociais ou religiosas, são atributos biológicos. Os macacos as têm; também animais inferiores. Computadores, por ora, nem sequer a esboçam, demonstração clara do quanto seus projetistas pretendem resolver problemas, porém nem de longe semelhantes aos dilemas
humanos.
Será que nós, que somos o ponto   apical da    biologia    do    ser    vivo, vamos deixar que o sistema econômico e político dos dia de hoje nos  faça pensar que   a mente é apenas algo forjado para dissimular,  esconder,    auto-emancipar, esquecendo-nos  da solidariedade e respeito com o semelhante?
A mente e a humanidade estão em xeque se não entendermos que o cérebro cria a consciência individual e a coletiva (o computador joga xadrez mas não há ninguém que lhe ouse imputar a consciência ). Da interação entre as consciências pode surgir uma comunidade de deveres e direitos pleno, com alguma justiça que preserve a todos. Do contrário, serão a barbárie e a aniquilação.
A mente e a humanidade estão em xeque se não entendermos que o cérebro cria a consciência individual e a coletiva (o computador joga xadrez mas não há ninguém que lhe ouse imputar a consciência ). Da interação entre as consciências pode surgir uma comunidade de deveres e direitos pleno, com alguma justiça que preserve a todos. Do contrário, serão a barbárie e a aniquilação.
Não estamos em   xeque   pela   máquina   digital.  Seremos  um dia replicados em máquinas e espero que elas não pratique   o   jogo no qual  temos demonstrado habilidade infinita: a hipocrisia e o descaso com o semelhante  que
anda à mingua desempregado e excluído.
anda à mingua desempregado e excluído.
Mas é preciso  cuidado,   pois   os computadores   que   surgirem   dessa    época   de    individualismo desenfreado
poderão também saber jogar pôquer - blefando inclusive - e o jogo poderá ser desigual. Podem surgir tiranos nunca dantes vistos entre as máquinas, tais como já vimos surgir entre os seres humanos.
O problema deste final de milênio não reside na replicação e execução de funções mentais por computadores, fato que cedo ou tarde ocorrerá.
Reside, outrossim, no modelo de ser humano e sociedade com que
recepcionaremos essa nova classe artificial de convivas do circo social.
http://www.din.uem.br/~ia/maquinas/henrique.htm
poderão também saber jogar pôquer - blefando inclusive - e o jogo poderá ser desigual. Podem surgir tiranos nunca dantes vistos entre as máquinas, tais como já vimos surgir entre os seres humanos.
O problema deste final de milênio não reside na replicação e execução de funções mentais por computadores, fato que cedo ou tarde ocorrerá.
Reside, outrossim, no modelo de ser humano e sociedade com que
recepcionaremos essa nova classe artificial de convivas do circo social.
http://www.din.uem.br/~ia/maquinas/henrique.htm